sábado, 5 de fevereiro de 2011

Vá às compras e salve o mundo

Finalmente, um discurso sustentável vem absolver nosso pecado favorito: o consumismo. Entenda aqui como é possível se esbaldar nas lojas sem poluir o ambiente. A resposta está na árvore ao seu lado

Sabine Righetti e Karin Hueck
Superinteressante / Edição Verde – 12/2011

Não ande de carro, não coma carne, não produza lixo, não gaste água e nem ouse ter filhos. Poucas coisas são tão negativas (e chatas) quanto o discurso ecológico radical, que prega que devemos fazer de tudo para causar o menor estrago possível ao ambiente. Não é à toa que muitos não aguentam mais ouvir falar no assunto. Mas finalmente uma nova proposta percebeu que fazer "menos mal" ao planeta ainda não é o suficiente - é preciso não causar mal algum. (Afinal, gastar menos água ainda é gastar água.) E o melhor: esse novo discurso alivia a consciência dos ecopecadores. Com ele poderemos - não, melhor, precisaremos - fazer compras à vontade, porque assim estaremos também salvando o planeta. Já que empresas sempre vão procurar o lucro e as pessoas sempre vão querer o novo iPod ou a TV de led, o jeito é fazer isso combinar com sustentabilidade. E como isso seria possível? Imitando a natureza e reciclando os produtos eternamente. Parece difícil, mas já está acontecendo - e vai exigir uma mudança de hábito comparável à Revolução Industrial, envolvendo empresas, cidades, casas e pessoas.

Uma dupla de pesquisadores tem trabalhado com fervor nessa, digamos, missão impossível da sustentabilidade. William McDonaugh, designer americano, e Michael Braungart, químico alemão, lançaram a nova proposta num livro chamado Cradle to Cradle - Remaking the Way We Make Things ("Do Berço ao Berço: Repensando a Maneira Como Fazemos as Coisas").

Sua teoria defende que nossos produtos de consumo sejam fabricados imitando as leis da natureza, reaproveitando todos os elementos, num ciclo de vida infinito. As empresas seriam sediadas em prédios que, assim como as árvores, produzem mais energia do que consomem (já existe uma construção assim nos EUA, que é mantida com placas de energia solar). Os dejetos seriam tão saudáveis quanto a água potável. E o mais importante: os produtos seriam feitos já pensando em como seriam reciclados e reabsorvidos pela natureza - como uma maçã que cai da árvore é reaproveitada pelo solo ao redor.

À MODA ANTIGA

É assim que se reaproveitam os materiais na reciclagem tradicional. Mas, mesmo quando a garrafa pet vira brinquedo, seu destino continua sendo o lixo. – Veja infográfico

Colocando em ordem prática, isso não é exatamente difícil de fazer. Os autores testaram a lógica em seu próprio livro, que foi impresso em folhas de plástico com tinta não poluente que, ao serem folheadas, fazem um som de cartas de baralho. A publicação pode se transformar em outra desde que suas páginas sejam aquecidas e limpas de uma maneira específica. É um livro se transformando em outro - em uso interminável como a natureza. Mas a verdade é que isso pode ser feito com quase tudo: boa parte do que consumimos hoje em dia, de embalagens a eletrônicos, tem insumos suficientes para gerar novos produtos iguais aos anteriores, sem perda de qualidade. Basta que se aprendam os processos necessários para extrair, purificar e reutilizar esses insumos. No extremo ideal, seria fazer com que tudo funcionasse como as latinhas de alumínio. O caso do alumínio é espetacular: a lata pode ser reciclada infinitamente sem perder qualidade, e cada item vendido num supermercado volta a ser colocado na prateleira para o consumidor em 30 dias.

Mas o melhor exemplo para essa nova ideologia de produção é um tecido desenvolvido pela empresa suíça Rohner com a ajuda dos dois pesquisadores do Berço ao Berço. O DesignTex serve para forrar móveis de escritório - só que com uma diferença. Ele é totalmente biodegradável e seu dejeto tem impacto zero no ambiente. Para chegar a esse resultado, a empresa examinou os 8 mil materiais que normalmente são usados na fabricação de tecidos, e escolheu apenas os 16 mais seguros e de origem garantida (até o algodão ficou de fora porque seu plantio é responsável por 20% dos inseticidas usados no mundo). O resultado? "O time desenhou um tecido tão seguro que poderia ser comido", escreve McDonaugh em seu livro.